Sabendo da preocupação com o meio ambiente e bem-estar de todos que estão envolvidos neste trabalho, o transporte de combustível exige medidas especiais. Além de todo preparo com o transporte, existem em nosso ordenamento jurídico leis específicas, garantindo que este tipo de serviço seja entregue com toda a segurança.
Conforme dito, a empresa transportadora de combustível certamente se preocupa com seus colaboradores e com o meio ambiente. Para isso, é necessário ter conhecimento do produto que transporta para saber a dimensão dos meios a serem adotados.
Em uma situação que a transportadora não é quem adquire os produtos, como também não tem acesso a estes, quando seus veículos prestam serviços para uma empresa que é responsável por carregar e descarregar o combustível diretamente nas instalações desta, surge, então, o receio de se descobrir eventual incoerência nos produtos transportados, e qual seriam as medidas a serem adotadas pela transportadora, como também as consequências jurídicas.
Além disso, outro ponto a explanar é da consequência jurídica em caso de possível transporte de combustível advindo de sonegação fiscal, isso em casos de a transportadora não acessar os produtos e ter conhecimento do conteúdo que transporta por meio da declaração do expedidor.
De início, importante ressaltar a respeito da responsabilidade jurídica à luz da legislação e da doutrina brasileira.
Maria Helena Diniz afirma que:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
O Código Civil trata o tema dispondo:
Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Tem-se, portanto, a responsabilidade jurídica como consequência e forma de reparar um ato ilícito cometido, seja na esfera judicial ou extrajudicial.
E para melhor entendimento, vale ressaltar a diferenciação da responsabilidade objetiva e subjetiva.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Tem-se por responsabilidade subjetiva a exigência que o prejudicado prove além do dano, a infração ao dever legal, o vínculo de causalidade, a existência da culpa do sujeito passivo da relação jurídica, ou seja, aquele que prejudica é o único responsável pelo dano.
Dessa forma, a responsabilidade subjetiva está atrelada à comprovação pelo lesado e o nexo causal entre a antijuridicidade da conduta do agente e o dano.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Já tratando da responsabilidade objetiva, esse quesito independe de culpa, pois está ligado à imposição de uma previsão legal. Nesse campo, o agente tem o dever de ressarcir o prejuízo que causou, tendo em vista a potencialidade de ocasionar os danos. Não depende, portanto, da prática de ato ilícito.
Por este aspecto, a transportadora tem a responsabilidade civil objetiva, pois ela é fundada na teoria do risco da atividade e neste caso se transporta combustível, substância química e explosiva.
Esta atividade é considerada perigosa, sendo reconhecida essa natureza pelo Ministério do Trabalho, expresso no artigo 193, inciso I, parágrafo primeiro, da CLT:
“Art. 193 – São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;”
Na mesma linha, o Código Civil aponta no artigo 927, parágrafo único a responsabilidade objetiva decorrente da atividade desenvolvida:
Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE COMBUSTÍVEL
Em conformidade com a Lei nº 9.478/97 – Lei do Petróleo, o artigo 6º, inciso VII, define a atividade de transporte como sendo a movimentação de petróleo e seus derivados ou gás natural em meio ou percurso considerado de interesse geral.
O exercício do transporte de combustíveis, consoante ao artigo 177, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, constitui atividade sob monopólio da União, podendo ser exercida mediante Autorização ou Concessão do Poder Público.
Ainda, a atividade de transporte pode ser exercida por diversos meios, sendo o transporte pela via terrestre, marítima, fluvial e lacustre.
RESPONSABILIDADE DA CONSULENTE
No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 11.442/07 trata da responsabilidade do transportador de combustíveis.
Art. 1º – Esta Lei dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas – TRC realizado em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador.
Já o artigo 9º delimita o período dessa responsabilidade, como se vê adiante:
Art. 9º – A responsabilidade do transportador cobre o período compreendido entre o momento do recebimento da carga e o de sua entrega ao destinatário.
Parágrafo único. A responsabilidade do transportador cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas.
Na mesma linha, expressa o Código Civil:
Art. 750 – A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.
Ainda, a Lei nº 11.442/07 traz algumas excludentes de responsabilidade do transportador de combustíveis, imputando ao expedidor ou ao destinatário, isentando o transportador de qualquer responsabilidade sobre a carga transportada. É que aponta o artigo 12, conforme se vê:
Art. 12 – Os transportadores e seus subcontratados somente serão liberados de sua responsabilidade em razão de:
I – ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga;
II – inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga;
III – vício próprio ou oculto da carga;
IV – manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga ou, ainda, pelos seus agentes ou prepostos;
V – força maior ou caso fortuito;
VI – contratação de seguro pelo contratante do serviço de transporte, na forma do inciso I do art. 13 desta Lei.
Entretanto, vale ressaltar que o parágrafo único do artigo supramencionado alerta para a responsabilidade do transportador mesmo no caso das excludentes.
Art. 12 – […]
Parágrafo único. Não obstante as excludentes de responsabilidades previstas neste artigo, o transportador e seus subcontratados serão responsáveis pela agravação das perdas ou danos a que derem causa.
As referidas menções não sofrem prejuízo da aplicação de outras disposições legais, especialmente as já dispostas no Código Civil, que trata a Seção III – Do Transporte de Coisas.
O Código Civil elenca nos artigos 743 a 756 a responsabilidade do transportador em entregar a coisa de maneira segura para o destinatário identificado.
No caso da transportadora de combustível em que o produto transportado esteja de acordo com o declarado pelo expedidor, e surgir, eventualmente, alteração entre produto e declaração, seja pela adulteração do combustível ou por sonegação fiscal, a transportadora deve se atentar a suas responsabilidades.
TRANSPORTE DE COMBUSTÍVEL ADULTERADO
Para explanar esse assunto, a Lei nº 9.847/99, que trata da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, dispõe sobre a responsabilidade solidária entre fornecedores e transportadores, como segue:
Art. 18 – Os fornecedores e transportadores de petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade, inclusive aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor.
Na esfera administrativa, a Agência Nacional de Petróleo – ANP se encarrega do papel de cuidar da qualidade dos combustíveis. Dessa forma, uma violação prevista na lei citada acima já dá margem a autuação, inclusive com a possibilidade de interdição do estabelecimento, por medida cautelar, e a abertura de processo administrativo, que ao final pode ensejar em multas.
Em síntese, pode-se dizer que no âmbito administrativo é averiguado o real responsável pela adulteração de combustíveis. A Agência Nacional de Petróleo responsabiliza os agentes causadores de tal dano com ingresso de ação judicial, devendo, em alguns casos, responsabilizar o transportador por danos advindos de vício de qualidade.
Caso as normas e os cuidados não forem observados, mesmo não havendo envolvimento na adulteração em si, outros agentes da cadeia de fornecimento poderão ser acionados pelo dever de fazer algo a fim de evitar grandes transtornos.
Tem-se, portanto, o conhecimento da responsabilidade solidária nesse quesito, embora com o decorrer de uma investigação, a ANP verifique o real responsável, não sendo o transportador, poderá recair a responsabilidade sobre outros envolvidos.
TRANSPORTE DE COMBUSTÍVEL SONEGADO
O maior questionamento diz respeito ao transporte de combustível advindo de sonegação. Mesmo a transportadora tomando todas as medidas necessárias, cumprindo o que determina a legislação, em eventual cenário que esta se veja transportando dessa forma, é preciso ter conhecimento das consequências jurídicas.
O Código Civil expressa no artigo 745 que o transportador será indenizado caso não exista exatidão ou falsidade na descrição do documento referente ao produto transportado. Veja-se:
Art. 745 – Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.
O artigo antecedente que é citado, trata-se dos dados corretos a respeito da identificação do que está sendo transportado. Tudo para ter clareza e transparência, para que o transportador tenha total conhecimento obre o conteúdo carregado.
Art. 744 – Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.
Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante do conhecimento.
Reforçando esse quesito, o artigo 17, da Lei 11.442/07, demonstra mais uma vez o dever do expedidor em indenizar o transportador em alguns casos:
Art. 17 – O expedidor, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, indenizará o transportador pelas perdas, danos ou avarias:
I – resultantes de inveracidade na declaração de carga ou de inadequação dos elementos que lhe compete fornecer para a emissão do conhecimento de transporte, sem que tal dever de indenizar exima ou atenue a responsabilidade do transportador, nos termos previstos nesta Lei;
Dessa forma, fica claro que o transportador, agindo de boa-fé, tem respaldo jurídico que possibilita a ele transportar um produto, mesmo que seja diverso do que consta na declaração, sem ser responsabilizado. Entretanto, há de se atentar para os requisitos exigidos em lei.
Ademais, vale relembrar que estamos considerando o cenário em que a transportadora não tem acesso direto ao produto – combustível, visto que a empresa para que esta presta serviço faz todo o trâmite de inserir e retirar o produto inflamável diretamente nas próprias instalações, devendo a transportadora, nesse caso, fazer o transporte de unidade a outra da empresa em que presta serviço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante todo o exposto, é possível observar que a transportadora tem responsabilidade jurídica sobre o transporte, desde o momento em que recebe ao tempo que entrega o produto. Também fica notório a responsabilidade objetiva da transportadora, visto à sua atividade. Nesse período, caso a transportadora esteja carregando produto adulterado ou advindo de sonegação fiscal, ao ter conhecimento deve informar imediatamente as autoridades competentes que tomarão as medidas cabíveis. Não havendo conhecimento, a transportadora não será responsabilizada, tendo em vista ser o dever do expedidor declarar a veracidade no documento. E, em caso de a transportadora sofrer algum prejuízo, deverá ser indenizado por perdas e danos. De todo modo, a clareza e transparência deve sempre ser adotadas pela transportadora e, em transportando eventualmente como nos casos acima explanados, as responsabilidades serão aplicadas como foram apontadas acima.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 9.478, 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm
Acesso em: 08 mar. 2021.
BRASIL. Lei 9.847, 26 de outubro de 1999. Dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9847.htm
Acesso em: 08 mar. 2021.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
Acesso em: 08 mar. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.442, 5 de janeiro de 2007. Dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11442.htm
Acesso em: 08 mar. 2021.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 40
Matéria escrita pela advogada Sarita Rossana de Lima Freire, OAB/PR 97.076.