A Medida Provisória no. 881/2019 convertida na Lei no. 13.874/2019, conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, alterou de forma substancial a desconsideração da personalidade jurídica de empresa que comete fraude ou prejudica direito de terceiros.
A regra é a responsabilidade ilimitada, o que se tem, são alguns tipos societários que são exceção à regra, como as Limitas (Ltda), Sociedade Anônimas (S/A) e Eireli.
Para tanto, o artigo 50 do Código Civil, o qual prevê o instituto ora debatido, determina a possibilidade de os sócios da pessoa jurídica terem seus bens particulares alcançados, desde que tenha justo motivo para tanto.
Em uma leitura da Lei pretérita, verifica-se a possibilidade de caracterizar a desconsideração da personalidade jurídica, tão somente, com a demonstração do “desvio de finalidade” e/ou “confusão patrimonial”, vejamos o caput do artigo 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Pois bem, com a criação da Medida Provisória no. 881/2019 convertida na Lei no. 13.874/2019, as regras enrijeceram, caracterizando-se como uma alteração substancial e relevante do tema. Transcreve-se a regra atual para comparação:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidadeou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Pela simples leitura do caput da atual regra, verifica-se que, não basta o abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo “desvio de finalidade” ou pela “confusão patrimonial”, mas sim, desde que fique demonstrado que os sócios da pessoa jurídica se beneficiaram direta ou indiretamente com o abuso, independente se tenham praticado o ato em si.
Ademais, para uma melhor interpretação e segurança jurídica do novo instituto, o legislador conceitua o “desvio de finalidade”, o qual caracteriza-se pelo propósito de lesar o credor, tal qual, desde que a obrigação seja pré-determinada ao tempo do suposto abuso. Vejamos o disposto no § 1º do diploma legal:
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidadeé a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
O § 2º do caput define o que é a “confusão patrimonial”, exemplificando em seus incisos as possibilidades para haver a quebra do escudo da personalidade jurídica, conforme segue:
§ 2º Entende-se por confusão patrimoniala ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Outra importante inovação, é a estipulação expressa que, as mesmas regras impostas para a desconsideração da personalidade jurídica, vale para a extensão das obrigações do sócio para a empresa, também conhecido como desconsideração da personalidade jurídica inversa:
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Da mesma forma, o novo regramento dificultou a responsabilidade do grupo econômico de empresas, posto que, na sua mera existência, não cabe a desconsideração da personalidade jurídica sem a demonstração dos requisitos estipulados no caput do artigo 50:
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Outrossim, o § 5º esclareceu que, o simples aumento e/ou mudança da finalidade do contrato social da empresa, não equipara-se ao chamado “desvio de finalidade”, porquanto a inexistência objetiva de fraudar credores.
Desse modo, uma alteração contratual da empresa, por exemplo alterando suas atividades, não torna o ato passível de ser considerado um desvio de finalidade em relação às obrigações contraídas anteriormente:
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
A atual regra funciona como um estabilizador em detrimento da liberdade concedida pelo legislador na facilitação do desenvolvimento da atividade empresarial, o que acaba evitando a desconsideração da personalidade jurídica desenfreada.
Tal instituto trouxe maior proteção ao patrimônio particular dos sócios, desde que estes não utilizem da pessoa jurídica para cometer fraudes e/ou prejudicar direito de terceiros.
Conclui-se, portanto, que houve um grande avanço no ordenamento jurídico, tornando o instituto como de utilização excepcionalíssima, fato que torna o ambiente de negócios mais propício.
Conteúdo elaborado pelo advogado Allan Marcel Paisani – OAB/PR 45.467 e OAB/SP 405.139.